#03 | Seu Milton, seu muro.

Quarta feira, 23 de abril.
Depois da experiência da escola, resolvi fazer a intervenção seguinte na porta de uma casa, direcionada a uma família e seus vizinhos mais próximos. Pensando nos contextos de “portas de casas” de interior, uma questão de território íntimo, um público mais privado.

Em frente à casa do Seu Milton, foi construído recentemente um muro. Um muro na paisagem de Milho Verde chama muita atenção e este, mais ainda: é alto e está no reboco puro. Daquele tipo que, se estivesse em Belo Horizonte, com certeza já estaria pichado.

Para esse caso especialmente, resolvi que seria melhor conversar antes com Seu Milton, explicar que desejava fazer uma projeção em sua porta, aproveitando para pedir uma tomada para ligar o projetor. Mas Seu Milton não estava em casa, nem sua esposa parecia estar. Eram 17h30 e estava tudo fechado, apagado, quieto.

Puxamos a energia de um outro vizinho e acomodamo-nos na soleira da casa, sentados nos degraus.

As imagens projetadas foram primeiro um muro todo grafitado e depois a montagem de duas “barraquinhas” de feira, filmadas no bairro de Santa Tereza, em BH. As duas tiveram um efeito muito interessante nesse muro, na rua em que estávamos. O local é especialmente escuro, com poucos postes, e com isso obtivemos uma imagem muito nítida. Como a rua é estreita, o único lugar possível de se projetar sem distorção da imagem era mesmo o muro, mas em alguns momentos, experimentei a projeção nos telhados, nas àrvores, no chão, explorando a textura, o efeito de revestimento, encapando as casas com as imagens.

Nessa intervenção observei que a maioria das pessoas que passou pelo local era de um grupo de moradores não-nativos de Milho Verde - essa distinção é muito marcante na comunidade. Foram pessoas que estavam sabendo das intervenções e por isso foram até o local. Estava também presente o Vagner, um rapazinho milhoverdense que foi personagem de um video que realizei durante o mês de julho de 2006. Vagner é mudo e tem uma percepção e uma expressão muito singulares, e desde o caso do vídeo que fizemos juntos, ele ficou muito interessado em audiovisual. Sempre que me vê pela cidade, coloca uma mão em torno do olho, imitando uma câmera. Nesse dia então eu havia chamado o Vagner para fotografar a intervenção. E ele foi uma presença muito boa, parecia ser quem mais estava ligado na proposta daquelas imagens.

Quando estávamos já quase indo embora, vemos surgir na ponta da rua o Seu Milton.
Ele veio desde a esquina já meio encafifado, falando alto, para ninguém e todo mundo. Notei que as pessoas que estavam comigo e que o conheciam bem ficaram alertas, foram se levantando. Eu estava com o projetor no colo e continuei sentada. Ele veio se aproximando, estava com um pau na mão, um toco de madeira, um galho de árvore, não sei o que era. Sei que quando ele foi passar na minha frente, eu já preparada para explicar o que fazíamos ali, a luz da projeção foi nos seus olhos, incomodando-o. Ele se assustou e veio com o pau na minha direção, com violência. Por sorte tive o reflexo de mover o projetor e assim desviar a luz. Na mesma hora, ele reteve o golpe. Estávamos muito próximos um do outro e foi mesmo por poucos centímetros que não fui atingida. Ficamos todos assustados, fui tentando conversar com ele, explicar o que estava acontecendo (foi nessa hora que surgiu a frase hilária do Bruno, amigo do Instituto Milho Verde, “Calma Seu Muro, só estamos projetando uns filmes aqui no seu Milton”! ). Ele não deu muita bola, entrou pra casa resmungando qualquer coisa e fechou a porta. Encerramos por ali. Fiquei muito impressionada com a lembrança da cena do projetor-arma. A agressão pela imagem na forma mais literal possível.

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